quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Lixo Extraordinário – Labirinto de Emoções

 

Análise Crítica – Labirinto de Emoções

Review - Mazes and Monsters
Na década de 80 houve todo um discurso midiático focado em construir pânico moral ao redor de RPGs de mesa como Dungeons & Dragons. Pessoas que não entendiam esses jogos achavam se tratar de coisas satânicas e qualquer morte ou desaparecimento de jovens na época era creditado aos RPGs. Era algo tão preponderante que a quarta temporada de Stranger Things chegou a explorar esse pânico moral e esse discurso era tão presente e pervasivo que não se limitava ao jornalismo até mesmo a ficção da época se dedicada a demonizar os jogos de RPG. Um exemplo é este Labirinto de Emoções, lançado em 1982 e adaptando um romance escrito por Rona Jaffe, o filme mostrava como jogar RPG destruía a vida dos jovens, recorrendo a caracterizações extremamente caricatas sobre o jogo e seus jogadores. A produção também tem a distinção de ser o primeiro longa metragem estrelado pelo ator Tom Hanks, mas, bem, todo mundo precisa começar por algum lugar.

Na trama, Robbie (Tom Hanks) chega a uma nova faculdade depois de ser expulso da sua faculdade anterior. Lá ele conhece o grupo de jogadores de RPG formado por Jay Jay (Chris Makepeace), Kate (Wendy Crewson) e Daniel (David Wysock). Ao saber que Robbie gosta de RPG, o grupo pede que se junte a eles para jogar Mazes & Monsters (claramente uma referência a D&D). Robbie reluta, já que foi o excesso de RPG que o fez ser expulso de sua outra faculdade, mas acaba cedendo. Com o tempo, Robbie se perde na fantasia e começa a crer que de fato é o clérigo que interpreta no jogo.

O filme é cheio de julgamentos moralistas sobre quem joga RPG, tratando todos como vindos de lares problemáticos ou com relações ruins com os pais. Jay Jay, por exemplo, tem uma mãe excessivamente controladora, Daniel é constantemente pressionado pelo pai enquanto que Robbie tem  uma mãe alcoólatra e um pai que o trata da pior maneira possível. É como se roteiro quisesse dizer que a ausência de uma boa família que leva a jogar RPG, tratando o jogo quase como uma droga, o que é, em si, ridículo.

Essa abordagem aparece também nos diálogos e no modo como os personagens interagem com o jogo. Quando Jay Jay pergunta a Robbie se ele joga, Robbie responde que parou, que está há um ano sem jogar, quase como um alcoólatra ou um drogado falando. Do mesmo modo, uma vez que o grupo começa uma campanha, personagens como Jay Jay ou Robbie se comportam como viciados, enchendo o saco dos colegas para mais uma sessão, pedindo que deixem de estudar para se dedicarem ao jogo, sempre querendo mais. Uma conduta extrema que não só não condiz com a realidade de quem joga RPG como também é tão caricata que ao invés de soar como um alerta, soa risível.

A caracterização dos personagens também caminha na direção da caricatura grosseira, com Jay Jay por exemplo sempre usando adereços ridículos na cabeça como capacetes de soldado, equipamento de aviador ou chapéus de caça como que para denotar que o garoto é desconectado da realidade. Os adereços poderiam até fazer sentido se condissessem com o jogo que eles jogam, no entanto, eles se envolvem em um RPG de fantasia medieval, então se ele fosse usar adereços e acessórios não deveria ser de coisas relacionadas ao jogo? O roteiro exibe uma incompreensão e falta de entendimento tão profunda sobre como funcionam esses jogos ou a mentalidade típica de quem joga que parece algo escrito pela Gloria Perez.

A trama também é cheia de situações que não repercutem ou que não fazem qualquer sentido. Em dado momento Jay Jay decide se matar (algo que vem completamente do nada) e que deve ser uma morte que chame a atenção de todos (reproduzindo o equivocadíssimo clichê que suicidas fazem isso como vingança ou em busca de atenção), resolvendo cometer o ato em cavernas próximas ao campus. Nas cavernas, porém, ele decide que seria um bom lugar para trazer o grupo para jogar e assim os pensamentos suicidas do personagem são completamente esquecidos pela narrativa. Parece que só acontecem para ter a cena de todos nas cavernas jogando e Robbie começando a ver monstros que não estão ali, se perdendo em seu personagem.

Igualmente sem sentido é o segmento em que Daniel vai até as cavernas em busca do tesouro que não conseguiram encontrar durante a sessão de jogo lá. A motivação do personagem é mostrar para o pai que ele é capaz de vencer em alguma coisa, mas considerando que o pai dele é estabelecido como alguém que acha que esse tipo de jogo é uma distração ou perda de tempo, não faz sentido que isso o impressionaria. Mais uma vez é algo que acontece apenas para mover outros elementos da trama, nesse caso dar início ao envolvimento romântico entre Daniel e Kate.

O fato de Robbie passar a se comportar como o clérigo que interpreta no jogo é o conflito principal do filme. A ideia deveria ser a de que RPGs fazem a pessoa perder o senso de realidade e se afundar em uma fantasia. O problema é que a própria trama contradiz sua tentativa de demonizar os jogos ao inserir informações sobre Robbie ser traumatizado com o desaparecimento do irmão, que foi para a cidade de Nova Iorque e nunca foi encontrado. Ora, se os delírios do protagonista são fruto desse trauma mal resolvido, porque a culpa é do RPG? Poderia até render alguma discussão sobre a necessidade de cuidados com a saúde mental, mas ao invés de um debate honesto sobre trauma e fuga, o filme prefere simplesmente dizer que é tudo culpa de jogos de RPG a partir de uma visão limitada e ignorante sobre o tema.

Quando Robbie desaparece e a polícia é chamada, eles imediatamente suspeitam que ele foi morto por algum de seus colegas de RPG, simplesmente porque o jogo contem violência, magia e outros elementos. É uma dedução desprovida de lógica, feita apenas para reforçar a demonização dos RPGs. Faria sentido se o jogo em questão fosse Banco Imobiliário, War ou Mario Kart, jogos que realmente fazem aflorar discussões, promovem brigas e destroem amizades, o que não é necessariamente o caso de RPGs de mesa.

Ao fugir, Robbie vaga por becos e sarjetas de Nova Iorque apanhando de marginais e vivendo entre mendigos. Tudo certamente pensado para assustar pais e jovens com os modos que o RPG pode destruir e causar decadência na vida das pessoas. Como acontece no restante do filme, as cenas são construídas de maneira tão exagerada que mais causam risos do que choque ou temor. Igualmente ridículo é o desfecho do filme, quando Jay Jay e os demais vão visitar Robbie na casa dos pais depois de resgatá-lo em Nova Iorque. Robbie não mais atende pelo seu nome e sim pelo do seu personagem no RPG e seus amigos vão embora com a tristeza de Robbie tenha se perdido no jogo.

Deveria ser um final sombrio e melancólico mostrando a vida de um jovem destruída por um jogo demoníaco, o problema é que essa é uma conclusão que não faz sentido nem mesmo na lógica do filme. Quando os amigos de Robbie o salvam no World Trade Center, Robbie parece voltar a realidade, então porque meses depois vivendo na casa dos pais ele regrediria completamente à fantasia ao ponto de não conseguir ser resgatado novamente pelos amigos? Sem mencionar o absurdo do roteiro realmente considerar que uma pessoa adulta sem nenhum distúrbio mental seria capaz de perder a capacidade de separar ficção de realidade. Mais uma vez, é uma conclusão e um argumento que não encontra qualquer eco ou validação no mundo real, sendo feito a partir de uma visão preconceituosa, estereotipada e moralista sobre RPGs com nenhum outro propósito de criar um clima de pânico moral.

Labirinto de Emoções está menos para filme e mais para uma peça de propaganda conservadora visando espalhar pânico moral sobre jogos de RPG a partir de um olhar caricato que falha em compreender a lógica do jogo e seus jogadores.


Trailer

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